Vamos falar da terapia de reposição de testosterona utilizada por homens e mulheres e sua relação com a fertilização assistida. Tem oportunidades de boa utilização e as vezes de complicação com sua utilização.
O que é testosterona?
Testosterona é o hormônio da masculinidade, por isso seu apelo comercial com enorme aceitação por parte dos médicos e pacientes em sua reposição.
Quando a reposição de testosterona em homens é apropriada?
Classicamente existem condições que trazem muitos benefícios ao paciente:
- deficiência de testosterona no homem, ou hipogonadismo masculino, caracterizado por um quadro clínico que pode ser inespecífico quanto aos aspectos sexuais – diminuição do desejo sexual e das ereções), físicos – diminuição de massa e força muscular e psíquicos -humor depressivo.
A comprovação laboratorial é aceita quando a testosterona está abaixo da normalidade do laboratório em que foi dosada, melhor se realizada em mais de uma ocasião.
A dificuldade no diagnóstico acontece porque as queixas clínicas podem ocorrer em diversas situações como hipotireoidismo, envelhecimento, e até mesmo na depressão endógena, com ou sem uso de antidepressivos.
Também, oscilações agudas da testosterona no sangue são comuns:
- após doenças agudas ou cirurgias, o eixo hipotálamo-hipofisário regula-se para baixo, visando à recuperação sistêmica em detrimento da função reprodutiva.
Essa situação já é bem descrita em mulheres que param de menstruar após:
- emagrecimento,
- exercício exagerado ou doenças que atingem a glândula hipófise (“amenorreia hipotalâmica”).
A alteração nesses casos é reversível. Quando a doença é suplantada, o eixo se recupera e a função reprodutiva volta ao normal lentamente.
Doenças ou uso crônico de medicamentos também podem reduzir os níveis de testosterona:
- a obesidade, diabetes mellitus, uso de corticoides, opiáceos e uso prévio de anabolizantes podem prejudicar o equilíbrio dos hormônios masculinos e causar hipogonadismo secundário, potencialmente reversível após a resolução da causa básica.
Muitas vezes após uso de anabolizantes, por razões não muito claras, a atrofia testicular e níveis de testosterona não voltam à normalidade.
O envelhecimento diminui a testosterona principalmente após os 60 anos, porém, após os 80 anos metade dos homens ainda apresentará níveis de testosterona normais. Em geral, esses níveis refletem o estado de saúde global do homem: quanto mais livre de doenças ou com doenças controladas estiver o idoso, maiores serão seus níveis de testosterona.
A testosterona e seus derivados vêm sendo utilizados em homens sem deficiência, o que pode trazer riscos bem reconhecidos, como :
- problemas na próstata – risco aumentado de câncer da próstata e agravamento dos sintomas de hiperplasia benigna da próstata
- atrofia testicular
- problemas no fígado, incluindo estímulo a tumores em homens predispostos,
- policitemia,
- retenção hídrica e
- efeitos cardiovasculares – AVC e enfarte do miocárdio,
Portanto, a análise da necessidade de testosterona no homem deve ser criteriosa e dinâmica. A reposição da testosterona pode não ser permanente, se uma causa básica tratável ou controlável for identificada. E o acompanhamento médico deve ser constante.
Reposição de testosterona na mulher
A reposição de testosterona em mulheres, antigamente prescrita para tratar uma suposta “síndrome de deficiência androgênica”, deixou de ser realizada após inúmeros posicionamentos, recentemente reunidos em um consenso de diferentes sociedades médicas europeias e americanas. Este documento estabelece que:
- Os métodos de dosagem de testosterona disponíveis atualmente foram feitos para homens, que têm valores de testosterona 3 a 10 vezes superiores aos das mulheres. Esses métodos não conseguem dosar de forma confiável valores mais baixos, normais para as mulheres
- Em situações em que haja baixo nível de testosterona, como em mulheres ooforectomizadas, por exemplo, não há sintomas ou sinais clínicos característicos que possam ser atribuídos à diminuição da testosterona, como cansaço, redução de massa muscular ou libido prejudicada em relação às demais mulheres.
No entanto, devido a seus efeitos estimuladores, a testosterona vem sendo usada em homens e mulheres em doses farmacológicas, elevando os níveis séricos nas mulheres para além de 100 ng/dL, acima da faixa de referência (estes, sim, dosáveis, pois se aproximam dos masculinos), apesar de não haver qualquer recomendação nem estudos conclusivos acerca de benefícios e riscos a longo prazo.
Os objetivos dessa prática não aprovada são:
- Estéticos: aumento de massa muscular, com transformação de parte da gordura em músculos (efeito bem conhecido do dopping atlético)
- Energéticos: redução de cansaço, maior capacidade de fazer exercícios
- Comportamentais: excitação, humor menos deprimido
- Sexuais: aumento de libido.
Esse uso, porém, envolve diversos riscos aproximando o feminino do masculino em seus efeitos deletérios:
- redução significativa de HDL-colesterol e aumento de LDL-colesterol,
- acne,
- hirsutismo,
- queda de cabelos e engrossamento da voz, geralmente irreversíveis,
- aumento a gordura visceral,
- aumento da resistência insulínica e risco aumentado de diabetes,
- aumento do hematócrito e risco de policitemia e maior viscosidade sérica,
- retenção de líquidos
- elevação da pressão arterial
- aumento de tumores hepáticos.
Portanto, não há estudos que garantam a segurança a longo prazo do uso de testosterona em mulheres, e não há dose segura.
Uso da terapia de reposição de testosterona em RHA
Um dos usos interessantes da testosterona e reprodução humana assistida ( RHA ) em mulheres, seria para melhorar a resposta à estimulação ovariana.
É uso breve em situação bem específica, que não implica nos efeitos acima descritos.
Os efeitos biológicos dos andrógenos na atividade esteroidogênica das células da granulosa ( células que estão junto aos óvulos dentro do folículo ) têm sido extensivamente estudados e incluem a modulação da atividade de enzimas de acordo com o estágio de desenvolvimento folicular.
Embora tenha um efeito estimulador em pequenos folículos, os andrógenos regulam negativamente a atividade da enzima aromatase ( enzima responsável pela produção dos estrógenos) em folículos pré-ovulatórios.
Uma administração a curto prazo de altas doses de andrógenos, induz mudanças morfológicas dramáticas nos ovários, que assumem o aspecto de ovários policísticos (SOP): o número total de crescimento pré-antral e pequeno folículos foi aumentada em 2,5 a 4,5 vezes, mas o número de folículos grandes permaneceu inalterado.
É provável que também aumente o número de receptores de FSH expressos nas células da granulosa.
Além destes dados experimentais, evidências adicionais de um potencial efeito positivo dos andrógenos na proliferação e crescimento folicular em humanos emergiram de modelos farmacológicos ou patológicos.
Em primeiro lugar, uma exposição a longo prazo a grandes doses de testosterona exógena em transexuais femininos para masculinos tem sido associada a características morfológicas da síndrome dos ovários policísticos (SOP), com um aumento significativo no número de pequenos folículos antrais.
Em segundo lugar, ovários policísticos foram descritos em mulheres com causas não-ováricas de hiperandrogenismo, como hiperplasia adrenal congênita e tumores produtores de andrógenos. Por fim, a alta produção de andrógenos pode explicar o excesso de folículos antrais usualmente observado em pacientes com SOP.
Em conjunto, esses dados sugerem que, os andrógenos desempenham um papel crítico no controle do desenvolvimento folicular e na sensibilidade folicular ao FSH.
Portanto, pode-se tentar melhorar a resposta ovariana com a suplementação de androgênio durante a fase inicial do recrutamento folicular bem como melhorar a sensibilidade ovariana ao FSH, algo interessante em pacientes com resposta pobre à estimulação ovariana.